Convido todos vocês, antigos e novos leitores, à visitarem o culpado de todo esse sumiço: meu novo e atualizadíssimo portfólio virtual de fotografia, no flickr. Segue então o endereço dos meus coloridos e multi geográficos cliques: flickr.com/cidmonteiro (se preferirem, acessem-no também pelas fotos na coluna ao lado ou no rodapé do CouL).
E para começar a reparar toda essa minha ausência, disponibilizo aqui, hoje, um trabalho acadêmico desenvolvido por mim em 2005. Trata-se de um estudo feito para a disciplina Análise da Música na Mídia, do curso de música da UFPR, a partir da famosa "O Tempo Não Pára", do iluminado e saudoso Cazuza.
- Caso queira disponibilizá-lo em algum outro local, ou até mesmo num outro trabalho acadêmico, apenas me comunique (e mantenha o meu crédito original). Será um prazer!
Espero que apreciem!
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Análise da música O Tempo Não Pára, de Cazuza (1989), por Cid Monteiro
A marcante canção O Tempo Não Pára, de mesmo nome do álbum, foi lançada em 1989 num disco ao vivo, acompanhada por outros sucessos como Vida Louca Vida. A letra desta música remete diretamente à fase crítica pela qual Cazuza vinha atravessando naquele momento: a entrada do vírus HIV em sua vida, que alterou, definitivamente, todo o seu curso.
A AIDS, que já vinha sendo retratada desde o álbum anterior com a música Ideologia – em que Cazuza mostra-se atordoado com sua situação e exprime sua angústia por não estar encontrando-se em sua própria vida, sentindo-se inerte frente à sua condição doentia – assume, agora, o papel de protagonista, sendo abordada de maneira explícita na canção tema do álbum.
Nesta música, Cazuza mostra-se frágil e vulnerável, pois o vírus HIV já se encontra num avançado estágio, fragilizando muito o cantor, física e mentalmente. Toda a letra mostra sua vontade de viver, indo contra o relógio, correndo contra o tempo, numa sede inesgotável de escapar de um beco que cada vez afunilava mais. A música demonstra claramente o cansaço do cantor em batalhar de frente com sua maior vilã: a AIDS. Embora tenha sido enfrentada corajosamente por ele, já era mais presente que qualquer outro fato, e o cantor começava a aceitar, de vez, seu estágio terminal e extremamente frágil.
Desde a primeira estrofe, quando diz “Disparo contra o sol”, já demonstra sua falta de esperança em melhorar, pois o sol, de forma figurada, já não permite mais que ele enxergue o que está fazendo. Está num momento turvo, ofuscado, em que abrir os olhos é uma tarefa árdua. As ações – os tiros – já são desleixadas, contra um astro maior, considerado invencível. Mas isso já não importa mais também, pois a “metralhadora cheia de mágoas” precisa ser descarregada em alguém, mesmo que aleatoriamente, sem precisão ou mira, pois não há como guardar mais tanta dor e sofrimento para si mesmo.
Cazuza já está “Cansado de correr na direção contrária, sem pódio de chegada ou beijo de namorada”. Nada do que faz é recompensado. Sua doença não tem cura. Mesmo que, com muita garra e determinação, batalhe para superá-la, não há como. Logo, não há compensação alguma ao final de toda sua caminhada contra o vírus letal.
Mesmo assim, o grande compositor assume para si mesmo, e para todo seu público, que ainda está ali, de pé, vivo e disposto, ao dizer: “se você achar que eu estou derrotado, saiba que ainda estão rolando os dados”. Isso demonstra sua vontade, quase que infindável, de batalhar pelo seu maior bem, que é sua vida. Sua esperança não tem fim, e declara aí, que o jogo ainda está em curso, e que não há por que se dar por vencido.
Em meio a tudo isso, seu segundo maior inimigo (e maior aliado da doença), o Tempo, não pára. Por mais que queira freá-lo, segura-lo, agarrá-lo de todas as maneiras, ele continua a passar. Cazuza vai fazendo o que pode para ir “sobrevivendo sem nenhum arranhão”, afinal, neste momento, era preciso uma super-proteção desse indivíduo. Um encapsulamento do doente, uma barreira capaz de isolá-lo de tudo e de todos, para que fosse intocável, impossibilitando que qualquer dano fosse feito a ele, pois um mero arranhão já seria muito naquele momento.
Desta forma, Cazuza observa a grande mediocridade daqueles que o cercam – mas que, muitas vezes, desejavam estar bem distantes – quando fala que recebe caridade de quem o detesta. Falta verdade, falta honestidade. A ajuda não vem de quem quer ajudar, mas de quem, simplesmente, quer se ver longe do grande problema, do monstro chamado AIDS. As ações das pessoas não condizem com suas atitudes. A “piscina está cheia de ratos, suas ideias não correspondem aos fatos”. Pessoas medíocres que têm isso ou aquilo não porque, de fato, desejam possuir tais bens, mas sim porque o contexto social lhes obriga a serem ou a terem determinadas coisas que, no fundo, para elas não tem a menor importância. Na verdade, encontram-se abandonadas, largadas às traças e aos seus companheiros, os ratos.
O futuro parece não existir, ele nunca chega. Parece que a ciência, a medicina e a cultura das mentes superficiais, aliás, tudo a sua volta, não evolui. Nada vai para frente. Está tudo estático. Ele observa “o futuro repetir o passado”, seu museu está com grandes novidades: as mesmas de sempre. É nessa eterna contradição que Cazuza vive, dia após dia. O Tempo se arrasta, e já não há mais “data pra comemorar”. Tudo se torna sem importância perto do problema que ele está enfrentando e sentindo na pele.
A sua imensa angústia pela espera do surgimento da cura é explicitada claramente quando diz que passa seus dias “procurando agulha no palheiro”. Tudo já se torna incômodo, difícil e desafiador. Até o clima, o frio, o calor, já são impasses em sua vida. Hora tudo é muito gelado, solitário. Hora tudo é febril, quente, inquieto. O equilíbrio, o meio termo, já não existe mais. Agora é questão de sobrevivência, de “matar ou morrer”. Condição que, todos os dias, milhares de brasileiros enfrentam para ter seu ganha-pão.
Nessa selvageria não há leis. Não há piedade. A ambição, o egoísmo, a individualidade fala mais alto. A superficialidade já é geral. Em meio a tanta agressão, discriminação, medo e raiva, se lucrar é só o que importa, nessa porcaria de vida, que transformem logo o “país inteiro num puteiro, pois assim se ganha mais dinheiro”.
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Mp3 da vez: Cazuza - O Tempo Não Pára
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Fala aí,rapá...
ResponderExcluirQue isso,vc consegui traduzir direitinho toda a menssagem que ele gostaria de passar à pessoas que acham ter idéias,mas que na verdade,não correspondem aos fatos.
Foi realmente o maior poeta da geração e um dos Brasileiros mais autênticos em termos de respostas à hipocrisia que eu já vi.(vê-se pelo filme).
O cara foi tão intenso na vida,e tão talentoso,que só isso não bastava a ele. E eis que surge o tal virus para"ajudá-lo" a se tornar melhor ainda nas composições.Lógico...para quem acredita que Deus dá o caminho às pessoas através de linhas tortas. Tanto é que as melhores músicas que ele fez,foram quando ele já estava ciente da doença. Uma vez eu até cheguei a dizer que a maior musa inspiradora de Cazuza foi a própria Aids.