quinta-feira, dezembro 20, 2007

O sopro da cigarra

Quantas noites eu já não pensei em sentar e escrever um pouquinho
Quantos dias eu já não achei que era o dia de sentar e ler um bucadinho
Quantas noites eu já não saí achando que aquele seria o dia
E quantos dias eu já não esperei que à noite fosse a noite

A Lua às vezes conversa comigo e me diz coisas muito interessantes
Me conta dos cowboys que nunca souberam dar um tiro
Dos astronautas que nunca sairam da Terra
Dos padres que nunca rezaram
Dos pais que nunca amaram seus filhos
Das mulheres que nunca se sentiram desejadas
Dos beijos que nunca tiveram os lábios tocados
Das crianças que nunca brincaram
Dos irmãos que cresceram juntos e hoje não se falam
Do pintor que nunca terminou suas telas
Do palhaço que chora das suas piadas
Do político que deita e dorme
Das moças que não se arrependem do que fazem
Dos desbravadores que desconhecem o que encontram
Dos conquistadores baratos que cobram caro
Dos animais que agem de forma racional
Dos amores que viraram farinha
Da comida comida pelos famintos
Da bíblia trazida pela inquisição
Do julgamento dos júris
Das brincadeiras que viram verdades
Dos amigos que não se perdoam
Das canecas que não fecham as asas
Do fogo que nunca acaba
Do sobe e desce da gangorra
Das bolsas sem valores
Do dinheiro sem importância
Do papo furado
Da ave de papo amarelo
Das propostas indescentes e sem fundamento
Das piadas infames e racistas
Das raças que se converteram em espécie
e de todas as espécies de sorte

Quando a Lua se despede, o Sol vem me brindar a vida
Um brinde eterno e passageiro que se estende ao infinito
Longe de tudo e de todos onde ninguém consegue achar
Ninguém que sabe de tudo e alguém que saiba de todos

Às vezes a brisa ainda vem me assoprar palavras da cigarra
Que ouviu dizer que o grilo anda muito turrão
Porque a mariposa não voa mais com toda sua clareza
E que as borboletas não saem mais de seus casulos

Quando a onda bate, o mar estoura e se converte em espuma
Elas trazem então pequenas bolhas de calefação
Que se dissolvem no mistério encoberto pela areia
Presas às mensagens que viajaram presas dentro de garrafas

Pode ser que um dia o tempo ainda venha até mim para dizer que eu me atrasei
E eu vou responder, não não, seu tempo, eu só demorei pra notar
Quanto mais tempo passa mais me dou conta de que você não pára mesmo
Então eu prefiro parar de me preocupar com a falta de tempo que eu tenho pra contar
Que não deu tempo nem da gente se conhecer e sentar pra conversar

Um comentário:

Vai ficar por baixo? Cutucaê!