terça-feira, setembro 09, 2008

De grão em grão eu vou andando e pensando

Sentado no trem, abri a lata e, comendo, pensei: assim como os amendoins, são as pessoas.

- Alguns não largam da casca a vida toda; outros já são mais desapegados.
- Alguns passam todo o tempo com sua outra metade; outros se separam de vez, e tem até os que dão um espacinho.
- Alguns são mais duros e fechados; outros, mais maleáveis e macios.
- Alguns são escuros; outros torneados ao ponto, e tem até os ruivos ou bem branquinhos.
- Alguns são atraentes; outros não são nada convidativos.
- Alguns são gostosos e com sabor único; outros são doces e de cheiro marcante, e tem até os amargos, estragados e que viram pó.

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Mp3 da vez: Gabriel O Pensador - Tás A Ver?

segunda-feira, setembro 01, 2008

RG

A perda do olfato traz, em parte, a perda da felicidade. Não é possível lembrar do cheiro da namorada de quando se conheceram, por exemplo. Não seria fácil identificá-la de olhos fechados e sem as mãos. Quando se perde o olfato, perde-se a referência, perde-se o traçado. Formigas embaralhadas.

Um cachorro solto no mundo. Um cachorro que não sabe por onde passou a matilha. Fica difícil saber o caminho a ser seguido. Simplesmente vai. Sem muitas lembranças.

Fica vetado sentir o cheio do mar, das batatas sendo fritas, do bolo saindo do forno, da fragrância que o sabonete deixa depois do banho, do colo da mãe, do pescoço da amiga, da terra molhada, da mulher da sua vida.

O cheio é experiência. Pra quem não sabe, o olfato é o sentido mais responsável pela ativação e estímulo da memória. Cada cheiro, uma coisa, um lugar, um momento, um sinal. Sem olfato, se está desprovido proteção, do correto discernimento do que fazer.

Não há como saber se o gás está vazando, se o lixo está fedendo, se a cidade está poluída, se é hora de tomar banho, se o ovo já apodreceu, se a torrada queimou, se o bebê sujou a fralda, se a piscina está com muito cloro, se tem catinga de cigarro na roupa e no cabelo, se o bafo de cerveja está invasivo.

Como será que o corpo supre essa falta de percepção? Como será que ele se adapta ao mundo inodoro? Será que algum outro sentido ficaria mais aguçado para servir de alerta? Como deve ser para o nariz não conseguir identificar o que os olhos vêem? Conflito no escuro.

A libído diminui. O que os olhos não vêem, o coração não sente - algum sábio observou. E o que o nariz não cheira, como será que fica o coração?

Todos os lugares parecem os mesmos. Muda um pouco a paisagem, o relevo, o clima, o idioma, as Construções e até as pessoas. Mas continua tudo igual. Porque nada mais tem sabor olfativo. Não é possível diferenciar sem ver as fotos. Chiqueiro, padaria, sebo; tanto faz.

Talvez, se pensarmos no mundo das desgraças, esse seja o sentido mais "descartável". O primeiro que alguém - se tivesse que - escolheria perder. Mas eu vou avisando: não é fácil ficar sem identidade.

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Mp3 da vez: Zeca Baleiro - Bandeira